Aprendendo Haikai

Nunca eu tinha posto atenção em formas exóticas de escrita.
Amante de verso livre, pois acho que livre penso, adorando as inversões e os nuances dos sentidos, sempre arrisquei no mais simples para tingir o complexo. Há amigos, como o Zé Feldman do blog Singrando Horizontes que sempre estimulou, a mim e tantos, que as trovas são exercícios simples. CErtamente tenho dúvidas em trovar, mas o farei e seja o que for acho que já fiz coisas mais complexas que isto; meu problema é a minha natureza, mesmo.

O Haicai chegou há pouco aos meus olhos, acho que ainda não o havia procurado, achava coisa distante.
Se eu desenvolvê-lo por mais tempo o farei na forma mais pura, na contagem 5-7-5. Se é um desafio, tem de ser feito como desafio, 21 sílabas... pode até ser, mas não será a minha tônica, ŕeferirei as dezessete.

Abaixo deixo o que encontrei na rede com seus créditos.



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HAICAI
O Haicai
O mais antigo haicai (haiku) que se conhece é o de autoria do poeta Fugiwara-Sadaye (1162 – 1242), que viveu no tempo do Imperador Dotoba (1180 – 1239), cujo texto é o seguinte:
Espalhadas flores
Quer pegar e pega apenas
O vento de chuva.

No século XVII, Bashô, um poeta boêmio, fez escola e consolidou o haicai, essa poesia essencialmente sintética, muito popular no Japão. A composição do haicai, como é praticada hoje, é resultante do “haikai do renga” (ou tanka) muito usada antes de Bashô. Era um poema coletivo, em que um poeta compunha a primeira estrofe (hokku), um terceto com  (5-7-5) sílabas ou sons.  E em seguida outro poeta compunha a segunda estrofe, um dístico de (7-7) sílabas ou sons. E assim, sucessivamente. Levavam anos para completar o poema. Bashô era adepto do “kazen”, poema encadeado de apenas 36 estrofes “haikai do renga”.
O haiku é chamado no Brasil de haicai.
O haicai é uma poesia de estação, ou saisonnière.  Tem que se limitar a impressões efêmeras do momento que passa. Está ligado às quatro estações do ano e se inspira nos elementos da natureza em cada uma dessas fases. Os motivos de estação são a razão de ser da poética do haicai.
O haicai chegou ao Brasil junto com os primeiros imigrantes, Shuhei Uetska (1876 – 1935), encarregado de conduzir os 793 compatriotas, pelo hoje histórico navio, Kasato Maru, que ancorou no Porto de Santos em 18 de junho de 1908, compôs o primeiro haicai em solo brasileiro, logo ao desembarcar.
A nau imigrante
Chegando: vê-se lá no alto
A cascata seca.
Entretanto, as obras que devem ser consideradas como marco inicial do haicai no Brasil são:
1. Trovas populares brasileiras (1919), de Afrânio Peixoto.
2. Relance da Alma japonesa (1926) de Wenceslau  de Morais.
Mas o primeiro livro exclusivamente de haicais é de Waldomiro Siqueira Júnior, Hai-Kais (1933). Guilherme de Almeida começou a escrever haicais em 1936. Em 1937 publicou o artigo “Os meus haicais”, onde apresenta sua versão do que seria o haicai em português. Um terceto com (5-7-5) sílabas, com título de maneira que o primeiro rima com o terceiro e a segunda sílaba do segundo verso com a sétima, resolvendo a seu modo, o problema da sonoridade do haicai.
Seus haicais foram publicados no livro, Poesia vária, de 1947. Veja um de seus haicais:
Infância
Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chama-se  “Agora”.
Guilherme de Almeida
Goga Masuda, com quem tive o privilégio de participar de duas oficinas é o autor dos “Dez andamentos do Haicai”, “foi haicaísta e estudioso do haicai, compondo tanto em português como em japonês. Seguidor de Nempuku Sato, mestre já falecido e responsável pela divulgação do haicai entre os imigrantes japoneses no Brasil. Membro fundador do Grêmio Haicai Ipê. Em agosto de 1993, liderou a fundação do Grêmio Haicai Caleidoscópio, tendo em vista o estudo e a composição de haicais encadeados (renku). Contemporâneo de  Jorge Fonseca Júnior e Guilherme de Almeida, com quem trocava idéias sobre a composição do haicai, tomando como exemplo o modelo japonês. No Japão, foi associado à revista "Yuki", de orientação tradicional, editada por Kôka Muramatsu. Em 2004, recebeu o "Masaoka Shiki International Haiku Prize", por seu esforço na divulgação do haicai. Também foi pintor”. Nasceu  em 08 de agosto de 1911, no Japão e faleceu em 28 de maio de 2008, em São Paulo. (Fonte: www.kakinet.com)
OS DEZ MANDAMENTOS DO HAICAI
Goga Masuda
I – O Haicai é poema conciso, formado de 17 sílabas, ou melhor, sons, distribuídas em três versos (5-7-5), sem rima nem título e com o termo-de-estação do ano (kigô).
II – O kigô é a palavra que representa uma das quatro estações, primavera, verão, outono e inverno; p. ex., IPÊ (flor de primavera), CALOR (fenômeno ambiental de verão), LIBÉLULA (inseto de outono) e FESTA JUNINA (evento de inverno).
III – Cada estação do ano tem o próprio caráter, do ponto de vista da sensibilidade do poeta; p. ex., Primavera (alegria), Verão (vivacidade), Outono (melancolia) e inverno (tranqüilidade).
IV – O haicai é poema que expressa fielmente a sensibilidade do autor. Por isso,
- respeitar a simplicidade;
- evitar o "enfeite" de "termos poéticos";
- captar um instante em seu núcleo de eternidade, ou melhor, um momento de transitoriedade;
- evitar o raciocínio.
V – A métrica ideal do haicai é a seguinte: 5 sílabas no primeiro verso, 7 no segundo e 5 no terceiro; mas não há exigência rigorosa, obedecida a regra de não ultrapassar 17 sílabas ao todo, e também não muito menos que isso. E a contagem das sílabas termina sempre na sílaba tônica da última palavra de cada verso.
VI – O haicai é poemeto popular; por isso usa-se palavras quotidianas e de fácil compreensão.
VII – O dono do haicai é o próprio autor; por isso, deve-se evitar imitação de qualquer forma, procurando sempre a verdade do espírito haicaísta, que exige consciência e realidade.
VIII – O haicaísta atento capta a instantaneidade, qual apertar o botão da câmera.
IX – O haicai é considerado como uma espécie de diálogo entre autor e apreciador; por isso, não se deve explicar tudo por tudo. A emoção ou a sensação sentida pelo autor deve apenas sugerida, a fim de permitir ao leitor o re-acontecer dessa emoção, para que ele possa concluir, à sua maneira, o poema assim apresentado. Em outras palavras, o haicai não deve ser um poema discursivo e acabado.
X – O haicai é um produto de imaginação emanada da sensibilidade do haicaísta; por isso, deve-se evitar expressões de causalidade, sentimentalismo vazio ou pieguice.
(fonte:www.kakinet.com)

HAICAIS  DE  OUTONO

Lua desta noite.        
Sob a janela do quarto
canta o seresteiro.

Domingo de Ramos.
Fiéis agitam as palmas
sob a chuva fina.

Bombons coloridos
na cesta de chocolate –
Prenúncio de Páscoa.

Um raio de sol
após a chuva de outono...
Pássaro se sacode.

Nas águas do rio
a paisagem refletida –  
Cores do outono.

Tarde de outono –
No pátio entre os marrecos
o ancião caminha.
Benedita Azevedo


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HAIKU

Breve composição poética, de origem japonesa (também chamada hokku, haikai ou haicai) que se funda nas relações profundas entre homem e natureza; e obecede à estrutura formal de 17 sílabas ou fonemas, distribuídos em 3 versos. O fundamento filosófico do haiku é po preceito budista de que tudo neste mundo é transitório e que o importante é sabermo-nos feitos de mudanças contínuas como a natureza e as estações (primavera, verão, outono e inverno).
Nas origens do haiku, está a forma arcaica tanka, surgida no Japão por volta do séc. VIII, posteriormente transformada em renga (canto interligado), espécie de diálogo entre duas pessoas: uma encarregada do hokku (estrofe inicial) e outra do wakiku (estrofe lateral) e cujo mote era sempre um kigo (termo que expressa um momento ou situação, transitórios, em determinada estação do ano). Com o tempo, o renga passa a ser uma forma colectiva, que deu origem a dois novos géneros poéticos: o kusari renga (renga comprido) elaborado segundo uma infinidade de regras rígidas e complexas, e o haikai renga (haikai encadeado) com regras mais simples. Ambos coexistem através dos séculos (assim como tanka e o renga) com certas alterações conforme a época, mantendo-se, porém, inalteradas as regras relativas ao hokku, forma que acaba por se tornar independente, como é até hoje (1997).
Foi no séc. XVII, com Matsuo Bashô (1644-1694), grande mestre de haikai renga, que a forma hokku começou a ganhar presença autónoma e profundidade existencial. Mas só em fins do séc. XIX, Masaoka Shiki (1867-1902), considerado um dos quatros grandes mestres do haiku, faz a aglutinação dos termos “haikai” e “hokku”, criando o neologismo “haiku”, para designar o hokku (poema desprendido do haikai renga e que adquire sentido completo), cuja forma fixou-se definitivamente como “terceto” composto de 17 sílabas e cujo eixo temático é um kigo.
Octavio Paz, em estudo sobre a obra de Matsuo Bashô, destaca a funda ligação do haiku com o zen-budismo e sua busca do satori: a “iluminação” súbita dos “contrários” de que é feita a vida (coexistência contínua de vida e morte) e certeza de que o homem não é escravo do tempo e da morte, mas que dentro de si leva outro tempo. E a visão instantânea desse “outro tempo” chama-se poesia. Exemplo: “Ah! Mosca de inverno/questão de dia ou de hora/seu último instante?” (Bashô). Aí está fixada a isão da mosca na janela, condenada à morte pelo inverno gelado: a percepção sensorial que desencadeia o sentimento e, no caso, uma espécie de solidariedade que emana das raízes budistas e animistas da cultura japonesa. Ou neste outro haiku: “É primavera: / a colina sem nome / entre a névoa.” (Bashô). Regista a ideia de vida nascendo à qual se sobrepõe a da viagem que leva à morte, “uma viagem das nuvens desta existência até às nuvens da outra (...). Em uma forma voluntariamente anti-heróica, a poesia de Bashô nos chama para uma aventura dever as importante: a de nos perdermos no quotidiano para encontrarmos o maravilhoso.” (O. Paz. 1976).
Sintetizando as regras gerais a que a composição de haikus deve obedecer, temos: 1. Estrutura métrica: terceto em 17 sílabas. 2. Eixo temático: um kigo (termo ligado a uma estação ou a fenómeno sazonal remetendo a uma determinada situação vivenciada pelo poeta). 3. Sentido completo em sua brevidade. 4. Rimas e títulos são desaconselháveis, pois “rimas interferem na fluência natural dos versos e prejudicam a leveza do poema e o título restringe o universo poético do haicai, pois direcciona a emoção ou o sentimento de quem o lê.” (Teruko Oda.1993).
Concluindo: a poesia do haiku deve ser “íntima e subjectiva, tendo como fonte um momento particularmente poético vivido pelo autor (descoberta do Kigo), não deve ser, portanto, poesia artificial e/ou imaginária.” Ou ainda: deve ser um “flash do aqui e agora, - o poema como fruto do “acontecendo agora”, representado pelo Kigo e vivenciado pelo poeta; e não, em consequência de evocação de realidade distante. (...). Lembranças do passado podem estar no presente do poema, associadas ao Kigo, mas o poema não deve ter como assunto principal as lembraças que fazem parte do passado do poeta.” (T. Oda. 1993). Esse género poético foi introduzido no Brasil por Afrânio Peixoto (1876-1947), em 1919 (depois de longa viagem pela Ásia e Europa), com a denominação francesa “haikai” aportuguesada para haicai (conservada até hoje pelos haicaistas brasileiros). Em sua divulgação pelo Ocidente, o haiku conservou a estrutura formal de origem, mas perdeu sua ligação com a tradição cultural japonesa, representada pelo Kigo; e assim transformou-se em forma poética condensada, gerada por uma sensação provocada por uma funda percepção sensorial. Embora não esteja ligado necessariamente ao Kigo (a um fenómeno sazonal), o haicai ocidental, via de regra, parte de uma percepção muto concreta (visual, táctil, auditiva, térmica ...) que funciona como disparadora de sensações (associações, sentimentos, dados da memória, analogias ...). Como por exemplo: “Um mar azul / pintou de branco / o vôo das gaivotas.” do haicaista português, Albano Martins (in Flores do Salgueiro, 1996).
Em 1987, foi fundado em S. Paulo, o Grémio Haicai Ipê, pelo mestre haicaista Masusa Goga e um grupo de brasileiros, empenhados em pesquisas sobre o Kigo para resgatar o haiku japonês. Os resultados vêm sendo publicados em livros de teoria (kikologia) e em antologias de haicais.
Bibliografia
Breve composição poética, de origem japonesa (também chamada hokku, haikai ou haicai) que se funda nas relações profundas entre homem e natureza; e obecede à estrutura formal de 17 sílabas ou fonemas, distribuídos em 3 versos. O fundamento filosófico do haiku é po preceito budista de que tudo neste mundo é transitório e que o importante é sabermo-nos feitos de mudanças contínuas como a natureza e as estações (primavera, verão, outono e inverno).
Nas origens do haiku, está a forma arcaica tanka, surgida no Japão por volta do séc. VIII, posteriormente transformada em renga (canto interligado), espécie de diálogo entre duas pessoas: uma encarregada do hokku (estrofe inicial) e outra do wakiku (estrofe lateral) e cujo mote era sempre um kigo (termo que expressa um momento ou situação, transitórios, em determinada estação do ano). Com o tempo, o renga passa a ser uma forma colectiva, que deu origem a dois novos géneros poéticos: o kusari renga (renga comprido) elaborado segundo uma infinidade de regras rígidas e complexas, e o haikai renga (haikai encadeado) com regras mais simples. Ambos coexistem através dos séculos (assim como tanka e o renga) com certas alterações conforme a época, mantendo-se, porém, inalteradas as regras relativas ao hokku, forma que acaba por se tornar independente, como é até hoje (1997).
Foi no séc. XVII, com Matsuo Bashô (1644-1694), grande mestre de haikai renga, que a forma hokku começou a ganhar presença autónoma e profundidade existencial. Mas só em fins do séc. XIX, Masaoka Shiki (1867-1902), considerado um dos quatros grandes mestres do haiku, faz a aglutinação dos termos “haikai” e “hokku”, criando o neologismo “haiku”, para designar o hokku (poema desprendido do haikai renga e que adquire sentido completo), cuja forma fixou-se definitivamente como “terceto” composto de 17 sílabas e cujo eixo temático é um kigo.
Octavio Paz, em estudo sobre a obra de Matsuo Bashô, destaca a funda ligação do haiku com o zen-budismo e sua busca do satori: a “iluminação” súbita dos “contrários” de que é feita a vida (coexistência contínua de vida e morte) e certeza de que o homem não é escravo do tempo e da morte, mas que dentro de si leva outro tempo. E a visão instantânea desse “outro tempo” chama-se poesia. Exemplo: “Ah! Mosca de inverno/questão de dia ou de hora/seu último instante?” (Bashô). Aí está fixada a isão da mosca na janela, condenada à morte pelo inverno gelado: a percepção sensorial que desencadeia o sentimento e, no caso, uma espécie de solidariedade que emana das raízes budistas e animistas da cultura japonesa. Ou neste outro haiku: “É primavera: / a colina sem nome / entre a névoa.” (Bashô). Regista a ideia de vida nascendo à qual se sobrepõe a da viagem que leva à morte, “uma viagem das nuvens desta existência até às nuvens da outra (...). Em uma forma voluntariamente anti-heróica, a poesia de Bashô nos chama para uma aventura dever as importante: a de nos perdermos no quotidiano para encontrarmos o maravilhoso.” (O. Paz. 1976).
Sintetizando as regras gerais a que a composição de haikus deve obedecer, temos: 1. Estrutura métrica: terceto em 17 sílabas. 2. Eixo temático: um kigo (termo ligado a uma estação ou a fenómeno sazonal remetendo a uma determinada situação vivenciada pelo poeta). 3. Sentido completo em sua brevidade. 4. Rimas e títulos são desaconselháveis, pois “rimas interferem na fluência natural dos versos e prejudicam a leveza do poema e o título restringe o universo poético do haicai, pois direcciona a emoção ou o sentimento de quem o lê.” (Teruko Oda.1993).
Concluindo: a poesia do haiku deve ser “íntima e subjectiva, tendo como fonte um momento particularmente poético vivido pelo autor (descoberta do Kigo), não deve ser, portanto, poesia artificial e/ou imaginária.” Ou ainda: deve ser um “flash do aqui e agora, - o poema como fruto do “acontecendo agora”, representado pelo Kigo e vivenciado pelo poeta; e não, em consequência de evocação de realidade distante. (...). Lembranças do passado podem estar no presente do poema, associadas ao Kigo, mas o poema não deve ter como assunto principal as lembraças que fazem parte do passado do poeta.” (T. Oda. 1993). Esse género poético foi introduzido no Brasil por Afrânio Peixoto (1876-1947), em 1919 (depois de longa viagem pela Ásia e Europa), com a denominação francesa “haikai” aportuguesada para haicai (conservada até hoje pelos haicaistas brasileiros). Em sua divulgação pelo Ocidente, o haiku conservou a estrutura formal de origem, mas perdeu sua ligação com a tradição cultural japonesa, representada pelo Kigo; e assim transformou-se em forma poética condensada, gerada por uma sensação provocada por uma funda percepção sensorial. Embora não esteja ligado necessariamente ao Kigo (a um fenómeno sazonal), o haicai ocidental, via de regra, parte de uma percepção muto concreta (visual, táctil, auditiva, térmica ...) que funciona como disparadora de sensações (associações, sentimentos, dados da memória, analogias ...). Como por exemplo: “Um mar azul / pintou de branco / o vôo das gaivotas.” do haicaista português, Albano Martins (in Flores do Salgueiro, 1996).
Em 1987, foi fundado em S. Paulo, o Grémio Haicai Ipê, pelo mestre haicaista Masusa Goga e um grupo de brasileiros, empenhados em pesquisas sobre o Kigo para resgatar o haiku japonês. Os resultados vêm sendo publicados em livros de teoria (kikologia) e em antologias de haicais.
BIBLIOGRAFIA: Débora Novaes de Castro, Hai-Kais ao sol (Antologia), S. Paulo, 1996; H. Masuda Goga, O Haicai no Brasil, S. Paulo, 1988; id., As Quatros Estações(Antologia), S. Paulo, 1991; Goga & Oda, Natureza - Berço do Haicai (Kikologia e Antologia) S. Paulo, 1996; Teruko Oda, Nos Caminhos do Haicai, S. Paulo, 1993; Octavio Paz, “A Tradução do haiku” e “A Poesia de Mastuo Bashô), in Signos emRotação, S. Paulo, 1976; R. H. Blyth, A History of Haiku, 1963; Manuel Lourenço Forte e Manuel Pinto Ribeiro, O Ocidente e a Poética Esquiva do Haiku, 1995.




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O HAIKU JAPONÊS

 

A ORIGEM


            O haiku deriva duma forma anterior de poesia, em voga no Japão entre os séculos IX e XII, designada por tanka; tinha 5 versos, de 5 e 7 sílabas, que tratavam temas religiosos ou ligados à corte.
No século XV, os muitos concursos de poesia tanka deram origem a um jogo de escrita de longos poemas: a primeira estrofe, de 3 versos (com 5, 7 e 5 sílabas), era sugerida por um poeta e as restantes iam surgindo e associando-se, num jogo competitivo entre vários poetas. Este tipo de poesia era a renga, de temática clássica, e os primeiros três versos (os mais importantes, pois serviam de mote) designavam-se por hokku. No século XVI,  tornou-se mais popular o haikai-renga, de temática humorística.
Rapidamente a estrofe inicial de 3 versos acabou por se tornar uma forma independente de poesia. Mas só no século XIX, o mestre Masaoka Shiki lhe atribuiu um nome: haiku  (pela junção das palavras haikai e hokku).

A EVOLUÇÃO


Bashô Matsuo (1644–1694), considerado o primeiro e maior poeta japonês de haiku, nasceu samurai e adoptou a simplicidade tanto na vida como na criação poética.

Enriqueceu o haiku, superando a artificialidade de poetas anteriores e tornando-o artistica e socialmente aceite. A par de poemas de carácter lúdico, começou a valorizar o papel do pensamento no haiku, imprimindo-lhe o espírito do budismo zen.

Versátil, os seus poemas sugeriam os mais variados estados de espírito: humor, depressão, euforia, confusão,... permitindo uma consciência da grandiosidade da natureza ( física e humana ).


Este caminho
Ninguém já o percorre,
Salvo o crepúsculo.

De que árvore florida
Chega? Não sei.
Mas é seu perfume.

 Outros poetas do género se lhe seguiram: Buson Yosa (séc. XVIII),  Shiki Masaoka (séc. XIX), Koi Nagata (séc. XX).
De salientar Shiki, crítico de Bashô por considerar que a sua poesia carecia de pureza e tinha demasiados elementos explicativos: o haiku deveria ser a partilha de um momento e não a sua explicação, privilegiando a descrição visual e o estilo conciso.
Nem Shiki nem os poetas contemporâneos afirmaram uma ligação ao zen, como Bashô, embora seja inegável que a essência desta filosofia continue presente em muitas composições haiku.

 

AS CARACTERÍSTICAS


“O haiku é mais do que uma forma de poesia; é uma forma de ver o mundo. Cada haiku capta um momento de experiência; um instante em que o simples subitamente revela a sua natureza interior e nos faz olhar de novo o observado,
a natureza humana, a vida”. (A. C. Missias, biólogo e poeta americano)

Basicamente, o haiku define-se como uma forma poética que, quanto à forma, tem três versos curtos e, quanto ao conteúdo, expressa uma percepção da natureza.
            Os três versos (sem rima) apresentam, respectivamente, 5, 7 e 5 sílabas métricas japonesas. A métrica japonesa assenta essencialmente no elemento duração: por exemplo, a palavra Bashô, metricamente tem três sílabas ou unidades de som, porque o /o/ final é longo.
            São dois os elementos de conteúdo, em não mais do que duas frases: uma percepção sensorial (particular e imediata) e uma percepção sugestiva  (de maior amplitude circunstancial ou semântica). A separação entre os dois elementos é feita por uma palavra ou sinal gráfico (kireji).
            A percepção sensorial parte de um vocábulo associado a um elemento da natureza e, frequentemente, às estações do ano (Kigo) O kigo representa o aqui e agora que originou uma dada emoção/sugestão.
Não apresenta objectividade, mas a subjectividade expressa provém sempre de uma objectividade captada pelos sentidos. Uma sensação concreta – visual, auditiva, táctil – permite associações, sentimentos, memórias, o reconhecimento de um conjunto mais amplo em que essa sensação se encaixa.

O kaiku capta o instantâneo, regista, enquadra, presentifica, evoca, emociona... a ligação semântica entre as palavras expostas será sempre feita pelo leitor.
É, pois, uma forma de poesia breve, depurada, bela, simples e fluente. É uma reacção estética minimalista à crescente consciência humana do caos.
            Exige uma atenção aos mais pequenos eventos da natureza objectiva e imediata; uma permanente atitude de espanto perante o fenómeno da natureza.
Pressupõe uma relação entre o particular e o geral, entre o mais individualmente percebido e o ritmo cósmico da natureza, entre a efemeridade da sensação e o eco que esta pode despertar na sensibilidade e na memória, promovendo uma união entre o sujeito e o objecto. De referir que, no Oriente, o conceito de união entre o homem e a natureza é diferente do ocidental: o homem também é a natureza, por isso, o conceito de união remete para aquele momento específico em que o homem reconhece essa natureza a que ele também pertence.


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HAIKU
Nelly Novaes Coelho

Breve composição poética, de origem japonesa (também chamada hokku, haikai ou haicai) que se funda nas relações profundas entre homem e natureza; e obecede à estrutura formal de 17 sílabas ou fonemas, distribuídos em 3 versos. O fundamento filosófico do haiku é po preceito budista de que tudo neste mundo é transitório e que o importante é sabermo-nos feitos de mudanças contínuas como a natureza e as estações (primavera, verão, outono e inverno).
Nas origens do haiku, está a forma arcaica tanka, surgida no Japão por volta do séc. VIII, posteriormente transformada em renga (canto interligado), espécie de diálogo entre duas pessoas: uma encarregada do hokku (estrofe inicial) e outra do wakiku (estrofe lateral) e cujo mote era sempre um kigo (termo que expressa um momento ou situação, transitórios, em determinada estação do ano). Com o tempo, o renga passa a ser uma forma colectiva, que deu origem a dois novos géneros poéticos: o kusari renga (renga comprido) elaborado segundo uma infinidade de regras rígidas e complexas, e o haikai renga (haikai encadeado) com regras mais simples. Ambos coexistem através dos séculos (assim como tanka e o renga) com certas alterações conforme a época, mantendo-se, porém, inalteradas as regras relativas ao hokku, forma que acaba por se tornar independente, como é até hoje (1997).
Foi no séc. XVII, com Matsuo Bashô (1644-1694), grande mestre de haikai renga, que a forma hokku começou a ganhar presença autónoma e profundidade existencial. Mas só em fins do séc. XIX, Masaoka Shiki (1867-1902), considerado um dos quatros grandes mestres do haiku, faz a aglutinação dos termos “haikai” e “hokku”, criando o neologismo “haiku”, para designar o hokku (poema desprendido do haikai renga e que adquire sentido completo), cuja forma fixou-se definitivamente como “terceto” composto de 17 sílabas e cujo eixo temático é um kigo.
Octavio Paz, em estudo sobre a obra de Matsuo Bashô, destaca a funda ligação do haiku com o zen-budismo e sua busca do satori: a “iluminação” súbita dos “contrários” de que é feita a vida (coexistência contínua de vida e morte) e certeza de que o homem não é escravo do tempo e da morte, mas que dentro de si leva outro tempo. E a visão instantânea desse “outro tempo” chama-se poesia. Exemplo: “Ah! Mosca de inverno/questão de dia ou de hora/seu último instante?” (Bashô). Aí está fixada a isão da mosca na janela, condenada à morte pelo inverno gelado: a percepção sensorial que desencadeia o sentimento e, no caso, uma espécie de solidariedade que emana das raízes budistas e animistas da cultura japonesa. Ou neste outro haiku: “É primavera: / a colina sem nome / entre a névoa.” (Bashô). Regista a ideia de vida nascendo à qual se sobrepõe a da viagem que leva à morte, “uma viagem das nuvens desta existência até às nuvens da outra (...). Em uma forma voluntariamente anti-heróica, a poesia de Bashô nos chama para uma aventura dever as importante: a de nos perdermos no quotidiano para encontrarmos o maravilhoso.” (O. Paz. 1976).
Sintetizando as regras gerais a que a composição de haikus deve obedecer, temos: 1. Estrutura métrica: terceto em 17 sílabas. 2. Eixo temático: um kigo (termo ligado a uma estação ou a fenómeno sazonal remetendo a uma determinada situação vivenciada pelo poeta). 3. Sentido completo em sua brevidade. 4. Rimas e títulos são desaconselháveis, pois “rimas interferem na fluência natural dos versos e prejudicam a leveza do poema e o título restringe o universo poético do haicai, pois direcciona a emoção ou o sentimento de quem o lê.” (Teruko Oda.1993).
Concluindo: a poesia do haiku deve ser “íntima e subjectiva, tendo como fonte um momento particularmente poético vivido pelo autor (descoberta do Kigo), não deve ser, portanto, poesia artificial e/ou imaginária.” Ou ainda: deve ser um “flash do aqui e agora, - o poema como fruto do “acontecendo agora”, representado pelo Kigo e vivenciado pelo poeta; e não, em consequência de evocação de realidade distante. (...). Lembranças do passado podem estar no presente do poema, associadas ao Kigo, mas o poema não deve ter como assunto principal as lembraças que fazem parte do passado do poeta.” (T. Oda. 1993). Esse género poético foi introduzido no Brasil por Afrânio Peixoto (1876-1947), em 1919 (depois de longa viagem pela Ásia e Europa), com a denominação francesa “haikai” aportuguesada para haicai (conservada até hoje pelos haicaistas brasileiros). Em sua divulgação pelo Ocidente, o haiku conservou a estrutura formal de origem, mas perdeu sua ligação com a tradição cultural japonesa, representada pelo Kigo; e assim transformou-se em forma poética condensada, gerada por uma sensação provocada por uma funda percepção sensorial. Embora não esteja ligado necessariamente ao Kigo (a um fenómeno sazonal), o haicai ocidental, via de regra, parte de uma percepção muto concreta (visual, táctil, auditiva, térmica ...) que funciona como disparadora de sensações (associações, sentimentos, dados da memória, analogias ...). Como por exemplo: “Um mar azul / pintou de branco / o vôo das gaivotas.” do haicaista português, Albano Martins (in Flores do Salgueiro, 1996).
Em 1987, foi fundado em S. Paulo, o Grémio Haicai Ipê, pelo mestre haicaista Masusa Goga e um grupo de brasileiros, empenhados em pesquisas sobre o Kigo para resgatar o haiku japonês. Os resultados vêm sendo publicados em livros de teoria (kikologia) e em antologias de haicais.
BIBLIOGRAFIA: Débora Novaes de Castro, Hai-Kais ao sol (Antologia), S. Paulo, 1996; H. Masuda Goga, O Haicai no Brasil, S. Paulo, 1988; id., As Quatros Estações (Antologia), S. Paulo, 1991; Goga & Oda, Natureza - Berço do Haicai (Kikologia e Antologia) S. Paulo, 1996; Teruko Oda, Nos Caminhos do Haicai, S. Paulo, 1993; Octavio Paz, “A Tradução do haiku” e “A Poesia de Mastuo Bashô), in Signos em Rotação, S. Paulo, 1976; R. H. Blyth, A History of Haiku, 1963; Manuel Lourenço Forte e Manuel Pinto Ribeiro, O Ocidente e a Poética Esquiva do Haiku, 1995.



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